Karma

O
que é o karma? (Go em chinês) É um termo sânscrito que significa
"ação". Karma é toda ação engendrada pela fala, pelo corpo e pela
consciência. São as sementes portadoras das ações futuras, ou o conjunto
infinito de fatos passados e presentes ligados e agrupados em uma
estrutura, em um organismo vivo (o ser humano, por exemplo). Este
organismo está em relação com o meio ambiente e com o universo que o
rodeia. Dito de outra maneira, o produto de todos os fatos passados e
presentes em uma estrutura vivente formam o karma. Se hoje você pratica
meditação durante uma hora, esta ação é uma semente que engendra, desde
agora até a eternidade, um karma bom e profundo, um karma superior. O
mesmo acontece com a leitura deste texto.
Aqui e agora, por que
você lê estas palavras? Esta ação é resultado do seu karma passado. Toda
ação é a realização do karma passado e engendra o karma futuro,seja a
felicidade ou o sofrimento. A boa ou a má saúde dependem diretamente do
karma passado que se atualiza no presente. A situação atual é o seu
efeito causal, retribuidor. O karma, bom ou mau, que criamos no passado,
encontra progressivamente sua realização pelo encadeamento causal. Os
efeitos não se manifestam nunca em sua totalidade. Uma parte deles pode
já haver recebido certas retribuições, enquanto que a outra parte ainda
está latente. Por isto, é sempre difícil compreender qual aspecto do
karma se realiza.
Durante a meditação, você pode observar os
aspectos infinitos desde o passado mais remoto. Você pode ver seu karma
como uma imagem refletida em um espelho puro. O Sutra do Loto diz:
"Graças à meditação, venceremos todos os aspectos dos crimes e das
faltas e brilharemos nas dez direções." Se cometemos um crime ou
encontramos a felicidade, é por causa do bom ou mau karma passado. O que
é um bom ou um mau karma? Os sutras budistas, assim como os textos da
maioria das religiões, postulam o fato de que o karma é sempre o
resultado de uma boa ou má ação. As causas fundamentais que engendram
bom ou mau karma são quase universais e surgem de uma moral fundamental.
Por exemplo, desde os tempos pré-históricos e no mundo inteiro, o
assassinato é um ato proibido e severamente punido. De fato, dentre
todas as espécies vivas, apenas o homem é fratricida. Os animais de uma
mesma espécie não se matam. Uma pombinha não mata outra pombinha. A
harmonia reina entre elas. Não matar é o preceito fundamental e
universal e o primeiro que temos que respeitar. Não se aplica somente
aos seres humanos, mas também aos animais e todos os seres sencientes.
Um dia, o Imperador Liang foi ao encontro de Bhodidharma e lhe perguntou:
- Eu construí um grande número de templos, traduzi muitos sutras e ajudei muitos monges. Que méritos eu obtive?
- Nenhum mérito!!!, respondeu Bhodidharma.
Isto é um koan. Não devemos esperar bons méritos de nosso bom karma. Se você pratica um boa ação e pensa:
"Certamente
eu criei um bom karma, seguramente obtive bons méritos", você estará
pensando de uma maneira parcial e limitada, já que não está considerando
seu mau karma que está oculto. É preciso desconfiar e estar atento.
Graças à sua visão justa, Bhodidharma havia percebido o mau karma do
Imperador. Eis aqui o que relata a história:
"Nesta época, Liang
levava uma vida tranqüila e favorável. Interessava-se pelo Budismo,
queria defendê-lo e estendê-lo por seu país. Apesar disto, seu mau karma
acabou por emergir com força. Com efeito, anos antes, saiu vencedor dos
combates entre os reinos do norte e do sul. Matou o rei inimigo e
apoderou-se da rainha, levando-a a seu reino e casando-se com ela. A
rainha trouxe ao mundo um bebê, que se tornou príncipe. Bhodidharma, que
havia assistido aos acontecimentos bélicos entre os reinos do norte e
do sul, decidiu ir até o norte, onde se ocultou nas profundas montanhas
setentrionais. O jovem príncipe cresceu e todo o mundo se alegrou em ver
nele o futuro sucessor do rei. Recebeu uma educação própria à sua
posição de príncipe e foi introduzido nos assuntos e na história de seu
país. No entanto, à medida que os anos passavam, tornava-se cada vez
mais desconfiado e cauteloso com relação a seu pai, o rei.
Um
dia, decidiu obter a prova do que pressentia quanto à sua verdadeira
identidade e à paternidade que todos diziam ser do rei. Para isto,
conhecia um meio seguro. Sabia que, se derramasse uma gota de sangue
sobre os ossos dos pais, o sangue se filtraria e se expandiria
rapidamente por seu interior. Se os ossos fossem de outra pessoa, o
sangue escorreria sem penetrar. Certa noite, fugiu do palácio e
dirigiu-se à tumba do rei morto. Cavou e desenterrou os ossos; depois,
cortou ligeiramente os dedos e derramou algumas gotas de sangue sobre os
ossos que acabara de extrair. O sangue penetrou imediatamente nos
ossos. Assim, teve a confirmação de seus pressentimentos. Seu verdadeiro
pai era este rei que havia encontrado a morte sob a espada do Imperador
Liang, o qual fingia ser seu pai. Passou-se o tempo. As relações entre
os reinos do norte e do sul se tornaram tensas novamente. Novas batalhas
começaram. O Imperador Liang ordenou a seu filho que fosse combater o
inimigo. O príncipe pôs-se à frente de seu exército; porém, em vez de
combater o inimigo, opôs-se a seu pai e atacou o palácio. O Imperador
Liang, depois de todos estes anos, havia se tornado um budista fervoroso
e havia recebido ensinamentos de Bhodidharma. Quando o exército inimigo
atacou encabeçado por seu filho adotivo, Liang estava sentado na
postura de Buda, praticando meditação. Morreu assim, assassinado pelo
príncipe."
Se você criar um mau karma agora é devido a uma ação
do passado; por isso é tão difícil deter o karma. No início da cerimônia
de ordenação, quando são passados os preceitos, recita-se o Sutra da
Confissão,cuja tradução é assim:
"Por que desde os tempos antigos tenho criado tão mau karma?
Meus desejos, minha cólera, minha ignorância
Surge de todo este mau karma sem começo.
Tudo foi criado por meu corpo, por minhas palavras, por minha consciência
Aqui e agora, confesso tudo de coração aberto."
Durante
a meditação, o karma aparece diante do espelho da consciência. A
observação do karma é uma confissão. Se uma pessoa confessa a si mesma, o
karma se realiza e seus efeitos se acabam. Por isso a meditação é tão
importante. Praticar meditação, mesmo que seja por um minuto ou dois, é
um bom karma. Se a pessoa souber suportar a dor, se tiver paciência, se
for perseverante, estas ações se tornam meritórias, criam um karma
excelente e realizam-se no futuro em forma de grande felicidade, não
apenas para ela, mas para toda a sua família e também para toda a
humanidade.
Estudando mais profundamente esta noção de karma,
observamos que é um poder potencial que possui uma influência e que se
prolonga no futuro. Se nossa vontade estiver em ação, se desejarmos algo
com nossa consciência pessoal, isto se converte em pensamento. Durante a
meditação, o corpo não pode agir; permanece tranqüilo. Não é possível
beijar. As mãos estão na postura do mudra cósmico. Se você quiser
bocejar, é difícil, pois tem que fazer uma reverência. Porém, em sua
vida quotidiana, você pode agir segundo sua própria vontade, você pode
se mover, falar, pensar... Essas ações são produtos da realidade da sua
vida e, ao mesmo tempo, influenciam o futuro.
Podemos distinguir
três tipos de ações: as do corpo, as da palavra e as da consciência.
Porém, a raiz das ações do corpo e da palavra está na consciência. A
ação do pensamento se converte em karma da ação do corpo e da palavra. O
pensamento é a substância do karma. O pensamento cria a ação do
espírito. A partir do espírito, cria-se o karma e todos os fenômenos do
mundo. A substância de nosso espírito, voltando a repetir, é
completamente pura e está ligada à ordem cósmica. Porém, as ilusões
aparecem pela vontade. Estas ilusões produzem o karma e, desta maneira,
criam-se os fenômenos do mundo inteiro. O karma aparece e prossegue
devido à existência do ego. Se não há ego, o karma potencial não se
manifesta.
No Budismo, e na maioria das religiões, existem
preceitos fundamentais. Além da religião, existem também a ética, a
moral universal e a fundamental, que são a mesma para toda a humanidade.
No entanto, na civilização moderna, a moral fundamental foi reduzida e
esta é a causa de sua crise. No Budismo, o bom ou o mau karma não são a
verdade última. Temos que ir além do karma, de qualquer karma - tal é o
ensinamento de Buda. A pior ação para o corpo é matar, não só seres
humanos, mas também animais, plantas e todos os seres sencientes. Isto é
muito difícil de praticar. Alguns dizem: "Nunca matei ninguém;
portanto, sou perfeito". Porém, nunca se é tão perfeito. "Eu não roubo",
dizem outros. Na verdade, porém, é muito difícil respeitar este
preceito. Às vezes, você não paga o telefone, ou pega de alguém uma
folha de papel para escrever...
O poder do compromisso com os
preceitos para os que receberam a ordenação continua por muito tempo.
Até durante seus sonhos, ou quando você quiser cometer uma má ação, este
poder potencial se converte em um poder que previne as más ações.
Reflita bem. Em toda meditação aparecem muitas ilusões. Você quer
criticar alguém, seu amigo. Porém, seu espírito te permite observar suas
ilusões: "Devo deter esta ação. Isto não é bom". Você pode refletir
sobre seu espírito, sobre suas ilusões. Durante a meditação, você repete
constante, inconsciente, natural e automaticamente esta reflexão sobre o
seu bom ou mau karma. Graças à meditação, seus preceitos se prolongam e
se reforçam. A meditação fortalece os preceitos e o seu mau karma
diminui. Neste momento aparece a sabedoria transcendental. O que é bom e
o que é mau no budismo? Criar o espírito que procede da natureza
original de Buda, de sua verdadeira e pura natureza é bom. Ao contrário,
uma má ação manifesta um espírito contrário à natureza de Buda. Se você
diminui sua verdadeira natureza original de Buda com seus próprios
pensamentos, esta é uma má ação. A verdadeira via existe no interior do
seu espírito, não no exterior.
Diz um sutra: "Nos três mundos -
infernal, terrestre e celestial - tudo é de minha posse, todo o cosmos é
de minha posse, todas as existências do cosmos são minhas." Não é
necessário ter tudo. Querer possuir algo é como estar infringindo o
preceito de "não roubar". Toda a terra, a água, o vento podem ser
utilizados; portanto, não é necessário possuí-los diretamente. Em um
outro sutra está escrito: "Todos os seres sencientes são meus filhos.
Todas as pessoas mais velhas são meus pais. Todos os homens e mulheres
da minha idade são meus irmãos e irmãs. Todas as crianças são meus
filhos e minhas filhas." Devemos respeitar os mais velhos e ser bons com
os jovens. O marido e a mulher devem ser íntimos. Podemos fazer amor,
porém devemos eleger com cuidado nosso par. Temos que prestar atenção
quando fazemos amor. Constantemente este ato se complica e cria um mau
karma, uma semente potencial do karma futuro. Se involuntariamente você
criar uma má ação, aqui e agora, você tem que ver nesta a realização de
um karma potencial passado.
Não devemos mentir aos demais, nem a
nós mesmos. Mentir aos outros é fácil, porém mentir a nós mesmos é muito
difícil. Tampouco devemos mentir ao céu e à terra. Se você pensar que
todos os seres são seus filhos, como se diz no sutra, você não odiará,
não duvidará e nem falará mal de seus amigos. Transforme-se em um
bodhisattva, no pai de todos os seres sencientes. Todos os homens e
todas as mulheres, além de seus países e nacionalidades, são realmente
irmãos e irmãs. Ricos ou pobres, de classe social elevada ou baixa,
altos ou baixos, não são mais que sombras, fenômenos do karma. Portanto,
não há que ter muitos desejos nem ambições. Se você não criticar quando
tiver o impulso de fazê-lo, esta ação influenciará seu futuro durante
muito tempo. Esta ação se converte em um karma que conduzirá à
felicidade futura. Esta ação faz com que suas enfermidades diminuam, e,
assim, você poderá viver durante muito tempo. Ao contrário, se por
exemplo você tiver muitas relações sexuais e transformar-se em um
obcecado em sexo, isto criará um mau karma e inevitavelmente se
produzirá um acidente. A idéia da transmigração do karma não existe
somente no Budismo. A moral fundamental é o mais importante. Na época
moderna, isto ficou esquecido, a moral já não é mais ensinada. Os
religiosos explicam-na, porém não o fazem com a devida exatidão.
Limitam-se a dizer: "Não roubar, não matar, não mentir, não ter má
conduta sexual, não se embriagar."
Sabemos que há vento pelo
movimento das plantas e das árvores. Da mesma maneira, observando as
ações das pessoas, pode-se compreender seu espírito e seu karma. O karma
que se manifesta foi influenciado originalmente pelos genes. Possuímos
um karma genético. Quando entramos no ventre de nossa mãe, já temos
substância de um forte karma. Produzido antes do nascimento, este karma
continua até a morte.
Os karmas do pai e da mãe influenciam a
criança na gestação. O karma de seus antepassados já foi iniciado. A
partir da gestação e durante o nascimento, a ação do corpo e da
consciência de nossa mãe nos influencia igualmente. Transforma-nos em um
menino ou em uma menina. Toda a educação e o meio ambiente criam nosso
karma. Nossa personalidade é quase completamente o produto do nosso
karma. Nossas ações "aqui e agora" são realizações do karma passado, as
quais, além disso, influenciam o karma futuro. E o karma de cada um
repercute no universo inteiro.
O fato de fazer meditação
influencia não somente o nosso lar, como também o bairro, o país, a
civilização, o cosmos... As boas sementes do passado se tornam boas
raízes de ações futuras. O mesmo ocorre com as más sementes. Desta
maneira, toda a existência é o que foi semeado. Os seres de alta ou
baixa estatura são fenômenos, aspectos do karma. Os estado de ódio, de
amor, de ansiedade e de sofrimento são produtos do seu próprio egoísmo,
egoísmo que é produzido pela própria consciência pessoal. Se aceitarmos
todas as existências, se não produzirmos um espírito negativo, em todas
as partes e sempre sentiremos alegria e prazer. A ansiedade e o
sofrimento desaparecem quando estamos alegres. Se não tivermos ansiedade
nem sofrimento, o ódio não aparecerá. Desta maneira, poderemos obter
tudo da Grande Via.
Assim, a pessoa não se torna dogmática. As
visões negativas das pessoas ordinárias, dualistas são produzidas pelo
ego. Se existe um aspecto do ego, caímos em uma visão dualista de
existência ou de não-existência. Porém, se seguimos a ordem cósmica, da
natureza, o espírito do ego acaba. Podemos nos separar dos pontos de
vista da existência e da não-existência. Se não caímos neste dualismo
que se inclina de um lado para outro, podemos obter o verdadeiro poder
da fé. Desta maneira, nosso espírito original nos dita os dez preceitos
fundamentais.
A uma criança não agrada matar, nem roubar, nem
mentir, nem criticar. Quando comete estes atos, sente vergonha. É pudico
com relação ao sexo, e o oculta, a menos que esteja enamorada. As
crianças são sempre muito mais honestas que seus pais. O único que
desejam é comer e sentir-se seguros. Só choram por isso. Amam o bom e
temem o mal. Assim, desde a infância possuímos os dez preceitos. Os
grandes sábios, os grandes santos são seres que não perderam o espírito
da infância. Se temos que enfrentar um homem orgulhoso e sabemos ter
paciência, nosso poder de paciência aumenta e se desenvolve. Se nos
encontramos com pessoas más e nos mostramos compassivos com elas, nossa
compaixão aumenta. Desta maneira, podemos compreender que, se seguimos a
lei moral integralmente, a compreensão da Via do Céu se abre diante de
nós. Se realizamos a Via do Céu, podemos conhecer a nossa verdadeira
natureza original. Podemos compreender nosso próprio karma passado e
nosso destino.
A Via do Céu dispõe todos os seres sencientes em
seus lugares naturais e os faz crescer no interior do cosmos. Durante a
Segunda Guerra Mundial, a polícia militar em Sumatra havia me designado a
missão de capturar e prender todos os inimigos combatentes que
conseguisse. Porém, eu achava que, se capturasse algum inimigo, era
melhor dar-lhe roupa, alimento e cigarros... e assim agi. A polícia
militar queria exterminar os prisioneiros. Eu ia aos cárceres repartir
víveres e cigarros, o que produzia grande alívio entre eles. Por fim,
dirigi-me ao comandante e, trocando alguns bens, consegui liberar uns
cem prisioneiros indonésios. Ao final da guerra, a polícia militar foi
feita prisioneira, porém eu fui bem recebido, respeitado e protegido por
todo o exército indonésio liberado.
É muito importante respeitar
o homem, respeitar-se mutuamente, ter um sentido elementar de
humanidade. Se possuirmos
dentro de nós o desejo profundo de respeitar e proteger os outros, não
poderemos cometer más ações, ações abusivas, nem conceber sentimentos de
ódio ou de desprezo. Se a humanidade fosse assim, não haveria crimes
nem assassinatos sobre a Terra. Este espírito de compaixão se eleva em
todos os seres sencientes e é sentido inclusive pelos animais, pelos
pássaros, pelos peixes, pelas plantas, pelas árvores...
Reflitam!!!!
By Mestre Cunha
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